Thursday, May 18, 2006

Lembrança de Natal

O micro está ligado, o Word aberto mostra uma página limpa, branca e fria, a espera de que algum pensamento se derrame sobre ela interrompendo-lhe a mudez.
Casualmente ou não, o agente capaz de fazê-lo sou eu, que estou aqui. Entretanto, sua frieza me impressiona, incomoda. Idéias giram como louco redemoinho em minha mente, mas sinto que devo quebrar este gelo.
É preciso tecer idéias, bordá-las no virtual papel antes que me fujam de vez.
Falar de amor, de saudade, ou simplesmente de amenidades, talvez seja o mais apropriado para este dia seguinte ao Natal, data tão importante quanto carregada de emoções.
Há muitos Natais atrás, quando na minha inocência infantil, ainda acreditava em Papai Noel, desejei muito ganhar um carrinho de plástico colorido que era cópia fiel de uma Nash do ano. Formulei então meu pedido ao bom e barbudo velhinho através de uma tímida carta entregue a tia Pequenina que se encarregaria de enviá-la ao bondoso Noel.
Naquela época as reuniões Natalinas aconteciam na casa dela que era casada com tio Flávio, irmão de mamãe. Curiosamente até hoje não lhe sei o nome, pois era conhecida apenas pelo apelido. Estranheza maior se dava ao fato de seu apelido não corresponder a sua figura que era a de uma mulher de estatura acima da média para a época.
Era uma congregação familiar regada de muito amor e os donos da casa cuidavam para que tudo saísse a contento, desde os enfeites apropriados até os quitutes, preparados com esmero culinário, fechando com a escolha dos presentes carinhosamente embalados.
Papai, mamãe, vovó, meus irmãos Marilena, Geraldo e Ricardo íamos sempre com muita alegria a esses encontros. Lá encontrávamos os primos Paulo e Joel, filhos de Tia Jair e tio Raul, irmãos respectivamente de mamãe e papai; Gilda e Regina, filhas dos tios donos da casa.Eram confraternizações plenas de alegria.
Um pouco antes da meia noite saíamos todos, adultos e crianças, para a Missa do Galo, pois, segundo tia Pequenina, enquanto assistíamos a missa, Papai Noel deixaria os presentes na árvore que era sempre ornamentada com primoroso bom gosto.
Era bem pertinho. Íamos a pé até a igreja de São Paulo Apóstolo onde a missa, muito solene, era celebrada pelo padre Colombo, amigo de tio Flávio.
Terminada a missa retornávamos e corríamos para perto da árvore à espera de que tia Pequenina, como sempre o fazia, distribuísse os presentes. Minha ansiedade foi maior naquele ano porque nunca quis tanto um presente como desejei aquele carrinho.
Ao ouvir meu nome, pulei emocionado para pegar e abrir o embrulho que pela forma e dimensões, quase revelava o conteúdo. Ao abri-lo a alegria foi inesquecível. Era o carrinho tão desejado. Não o larguei de mão por um instante sequer. Após a entrega dos presentes veio a ceia e as deliciosas sobremesas foram deglutidas com enorme prazer infantil. Lembro-me, em especial da torta de nozes, especialidade de tia Jair sempre elogiada por tio Raul que dizia: -- “Tenho comido tortas, mas nenhuma como esta”, acompanhado do riso de todos. Primos brincavam e deliciavam-se com carrinhos, bolas, bonecas e jogos durante todo o tempo que o sono e o cansaço, decorrentes de tanta agitação, o permitissem. Finalmente, vencidos pela sedução de Morfeu, atirávamo-nos exaustos nos seus braços. Eu e meus irmãos, exceto minha irmã, pouco mais velha que nós (que ela não me ouça), já dormíamos quando íamos para casa no bom e velho bonde que, com seu balançar e cadenciado gemido – ganã, ganã, ganã... mais nos embalava e nos conduzia de Copacabana para Botafogo, onde morávamos.
Dia seguinte acordei e, antes de qualquer coisa ou café, fui procurar o tão querido carrinho, mas, ó infortúnio, descobri que o havia deixado cair no bonde, enquanto dormia.
Tristeza das tristezas, enorme desdita, como chorei minha primeira perda. Deixei escapar o tão esperado presente!
Amarguei a perda por quase uma semana, até que por força de minha fé infantil e das orações ao bondoso Jesus Menino, juntamente com minha avó, consegui “reaver” o precioso presente. Graças a bondade da inesquecível Pequenina.
Que Deus as tenha, vovó e tia Pequenina, a seu lado em lugar abençoado.

Betofreire

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