Raimundo
Raimundo, nordestino filho de Severina, vive no Rio vida severa como operário de obra de severa vida.
Acorda cedo, pega o trem das quatro da madruga, sacode até a Central onde salta e pega o ônibus para Ipanema.
Carrega brita, cimento, areia, vira massa, assenta milheiros de tijolos, constrói casas, sonhos próprios, realidades alheias. Mora em barraco de caixote sob o viaduto. Nem cama tem, só esteira rota e surrada.
Veio do interior do nordeste em busca de vida melhor que a seca. Qual o que! Achou trabalho duro, grana pouca, muita luta, suor e labuta. Esperança de melhora? Nenhuma. Só trabalho.
Quer estudar, aprender a ler, fazer conta de somar, diminuir, multiplicar, dividir. Cadê tempo? Cadê grana?
O dente dói, mas dentista, nem pensar. O dente cai, a dor passa, fica o só o vazio entre os poucos que ainda lhe restam.
Enquanto vira a massa a cabeça roda, viaja, pensamentos vão e vêm como relâmpagos.
Ah! Ali vai Maria José, empregada de balcão do bar onde toma sua pinga para espantar tristeza. È tão jeitosa, tão cheirosa, um mulherão! Raimundo, pobre que nem Jô, não tem coragem de chegar perto, falar de desejo, de amor. Fazer o que?
Juntar sua vida com a dela, como? Juntar pobrezas, somar tristezas?
Enquanto Raimundo divaga, cá estou bebendo uma gelada. “E o barquinho vem, a tardinha cai...”, diz a canção na voz de Leila Pinheiro, graças ao Armando, dono do bar e de muito bom gosto musical. “Dia de sol, festa de luz...” é muito lindo.
Diferente da história de Raimundo que não sei como acabará.
Repentinamente sinto-me poderoso, onipotente, capaz de mudar o destino de Raimundo.
Terminado o horário de serviço Raimundo toma seu banho, se arruma, se perfuma e vai para o bar tomar sua pinga mas, ao encontrar-se com a luz do sorriso de Maria José, é tomado por uma coragem ousada e firme. Respira fundo, estufa o peito e diz:
--- Maria me dá sua alegria, me dá a mão e vamos por aí ver o sol, o mar. Vamos amar, nossas vidas juntar, curtir um forró! Ah! Maria, você é linda!
“Pra que chorar se existe o amor...”, diz a voz linda de Leila Pinheiro no CD do Armando.
A ceveja acabou. Está na hora de apanhar meu filho na aula de cavaco.
16/12/2002


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